O “petróleo” de Cascais

 

As receitas geradas pelo Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) e pelo Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) tem sido o “petróleo” de Cascais.

Enquanto um imóvel para habitação própria e permanente no valor de 100.000 euros no interior do concelho (e já são raros os imóveis por este valor em Cascais) gera um IMT de 152 euros, um imóvel de €1 milhão de euros junto à costa gera um IMT de 60.000 euros.

Dependendo das características do imóvel, o IMI anual do primeiro será uma pequena fração do IMI anual do segundo.

Com a sua linha costeira, praias e espaços naturais, não devia ser surpresa a proliferação em Cascais de novos condomínios fechados ou grandes empreendimentos destinados ao segmento de luxo.

Esta semana, num portal de imobiliário, estavam mais de 2.500 anúncios de venda de imóveis residenciais de valor superior a €1 milhão de euros no concelho de Cascais, por comparação com Oeiras (cerca de 350), Sintra (cerca de 500) e Lisboa (cerca de 3.000, apesar de ter 3x a população de Cascais).

Em 2010 o IMT e o IMT já representavam, no seu conjunto, €88 milhões de euros de receitas para o município de Cascais, valor que em 2019 atingiu os €119 milhões de euros.

Cascais é o segundo concelho em Portugal com maiores receitas quer do IMT quer do IMI (Pordata, 2018).

Só Lisboa tem maiores receitas de IMT e IMI. E no entanto, apesar desta bonança de receitas e do contínuo crescimento da população, temos menos transportes públicos que há 20 anos atrás com uma linha férrea obsoleta, temos uma rede viária municipal que (com exceção do investimento feito por privados na A5 e A16) pouco se alterou com congestionamentos cada vez mais frequentes, temos problemas de poluição nas praias e ribeiras do concelho, temos cada vez mais problemas sociais e temos agora uma crescente sensação de insegurança pública.

O “petróleo” de Cascais tem servido sobretudo para a proliferação de empresas municipais ineficientes (a mais recente, a Cascais Invest, ainda estava por atualizar o seu portal à data em que escrevo…), para inaugurações de rotundas, arranjos de passeios e ecopontos, para uma miríade de pequenas obras, para aventuras empresariais em projetos falhados como o das bicicletas partilhadas e para a proliferação de subsídios e apoios a fundo perdido numa base recorrente.

Mas os problemas estruturais e profundos do concelho continuam por resolver. O PS(D) que gere a autarquia não é diferente do PS que gere o país (daí talvez a grande dificuldade do PS Cascais em ser oposição ao PS(D) Cascais).

Como nos países em que o verdadeiro petróleo serve sobretudo os interesses da minoria que o controla, é necessário criar o culto da personalidade em torno da governação.

Em Cascais assistimos a uma constante máquina de publicidade sobre os feitos da autarquia que transmitem a ideia de que tudo corre bem, fruto do trabalho da autarquia e se alguma coisa eventualmente não corre bem é culpa do governo central, da pandemia ou do vandalismo.

É esta máquina de publicidade da autarquia que se multiplica em cartazes sobre testes serológicos “gratuitos”, respetivas estatísticas e mapas de localização de testes positivos, mas fica em silêncio sobre os 30.600 munícipes em Cascais sem acesso a um médico de família.

Enquanto o “petróleo” de Cascais continuar a ser gerido desta forma, vamos continuar a desperdiçar a oportunidade de construirmos um concelho moderno e socialmente justo.

Precisamos de um concelho mais liberal.

Miguel Barros