2020 – O ano da ação climática ou mais cogumelos urbanos?
A proliferação de construções urbanas em Cascais faz-me lembrar uma floresta contaminada por cogumelos alienígenas e venenosos, que se alimentam de uma rede de árvores autóctones e das suas copas protetoras. Talvez seja a minha tendência para a ficção científica, mas se pensarmos nas alterações climáticas, não estamos cada vez mais próximos de uma ficção assim?
Passou a semana da COP25 (de 2 a 9 de Dezembro) onde o mundo esteve reunido em Madrid para operacionalizar a implementação do Acordo de Paris. Este foi negociado em 2015, com o consenso de 195 países (algo inédito em toda a história de negociações para o clima) e entrou em vigor em 2016.
Mas é agora, em 2020, que as palavras se transformam em ação. A partir do próximo ano inicia-se a implementação das políticas climáticas nacionais que visam impedir um aumento da temperatura global acima dos 2°C face aos níveis pré-industriais e, se possível, limitar este aumento aos 1.5°C, até 2050.
Cabe a todos os signatários do Acordo apresentar agora os seus Planos de Ação Nacionais para o Clima. Na Europa, os Estados Membros submetem no fim deste ano os seus Planos Nacionais para a Energia e Clima, que incluem metas específicas (e esperemos que ambiciosas) para a descarbonização. Neste âmbito, Portugal foi mais longe e apresentou um Roteiro para a Neutralidade Carbónica. O Parlamento Europeu, por sua vez já declarou Emergência Climática, seguindo o exemplo de vários países europeus, incluindo o nosso.
Com o lançamento no novo Green Deal, a Europa distingue-se com uma estratégia proactiva para transformar a ação climática num projeto ambicioso de desenvolvimento socioeconómico, que visa atingir a neutralidade carbónica do continente até 2050.
A semana da COP é a semana de esperança, da ação e da justiça climática. A presença de Greta Thunberg, a sua passagem por Lisboa a caminho de Madrid e a sua força inquebrável são mais uma expressão desta esperança.
Mas a ciência avisa-nos que o mundo caminha para um aumento de mais de 3°C (3.2°C). Mesmo se cumpridos os acordos climáticos, o Acordo de Paris não chega. Estas foram as conclusões do último Relatório sobre a Lacuna de Emissões de 2019, publicado dia 25 de Novembro pelas Nações Unidas.
Um estudo recente do Climate Action Tracker concluiu que há alguns países a fazer progressos, incluindo alguns dos grandes emissores de carbono, como a Índia, a União Europeia e a China. Mas os melhores classificados estão entre aqueles que pouco contribuíram para o problema, como é o caso de Marrocos e do Gâmbia. Estes foram considerados os únicos dois países com uma estratégia de redução de emissões que efetivamente impede um aumento acima dos 1.5°C.
E o que podem as cidades e os municípios fazer? Atualmente cerca de 55% da população mundial vive em cidades e espera-se que em 2050 esta percentagem passe para os 68%. As cidades têm o poder de liderar a mudança e não é possível uma estratégia de descarbonização sem uma transformação das estruturas, práticas e culturas urbanas – desde a mobilidade ao urbanismo muito terá de mudar.
Há que dizer que Cascais tem sido pioneiro neste âmbito ao desenvolver um Plano Estratégico de Cascais face às Alterações Climáticas em 2010 e um Plano de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas em 2017.
Mas faltam ainda metas concretas de descarbonização e uma estratégia de redução de emissões que de facto nos leve à neutralidade carbónica – sim, porque não se pode querer menos do que isso. Há que compensar cada nova construção, cada novo empreendimento com espaços verdes, pelo menos tão luxuosos e deslumbrantes como o pretendem ser as muitas construções a surgir como cogumelos.