Torturar os números da Educação em Cascais – Parte II

Nunca será fácil a tarefa de abraçarmos os números diligentemente sem cometermos injustiças e juízos de valor. Contudo, e porque é de opiniões que aqui tratamos, atrevo-me a entrar neste campo específico, olhando para os números que interessam em Cascais de forma mais compreensiva na realidade local.

Na rede pública, em 2018/19 existiam no concelho 562 alunos em 12 escolas no pré-escolar, 3483 alunos em 29 escolas no 1º ciclo, 2357 alunos em 9 escolas no 2º ciclo, 4138 alunos em 11 escolas no 3 ciclo e, finalmente, 4995 alunos em 9 escolas no ensino secundário.

Estes 15500 alunos (aproximadamente) representam entre 7% a 8% da população em Cascais, o que implica, desde já um olhar muito cuidado sobre estas necessidades específicas. Vem a propósito o problema da dimensão da população escolar versus problemáticas societais em que transparecem para o domínio público fenómenos como o bullying digital “baleia azul”, que bem recentemente, levou ao suicídio de estudantes por manifesta interpretação social errada numa idade critica (situação que ocorreu também no concelho de Cascais).

Cabe aos mecanismos de socialização primário, e a escola será, juntamente com a família, o mais importante, encetar um conjunto de iniciativas que minimizem a possibilidade destes acontecimentos trágicos. As dinâmicas de hoje são digitais, globais e transversais e, todos os atores sociais, famílias, escolas, responsáveis escolares e decisores necessitam de responder proactivamente a estes problemas. Questões como: preparação das nossas crianças para com o uso dos diferentes equipamentos digitais, limites do controlo parental, regresso ou imposição parcial das atividades clássicas aos recreios, jornadas de sensibilização que acompanhem os tempos modernos (usando instragram, facebook ou vimeo, por exemplo) são de todo a todo fundamentais para que não mos permitamos a acordar com notícias semelhantes a esta com que fui confrontado nas últimas horas.

Repetindo-me naquilo que já referi no meu primeiro artigo, a arte dos números é importante para contextualizar, mas nada resolve, são precisas ações concretas sobre os mecanismos de socialização, nomeadamente na escola.

Num outro domínio dos números, permitam-me também um olhar sobre a evolução da população qualificada no município, que representa um vetor de importância fulcral. Os habitantes com formação superior passaram de 6558 em 1981 para 44184 em 2011, passando mesmo a ser a categoria mais representativa no município (a segunda categoria, habitantes com ensino secundário ou equivalente – 39980), que mesmo estando ainda distante do padrão europeu, resulta do investimento feito por alguns dos últimos governos nesta matéria.

António Guterres tinha como paixão a Educação e hoje apoia indiretamente a sua difusão no mundo. José Mariano Gago foi porventura um dos nomes mais consensuais na política nos últimos 40 anos. Mas, preocupante é que existam ainda quase 10 mil pessoas no concelho sem qualquer instrução, o que sendo, muito provavelmente, um impacto geracional, também de facto prova que deveriam ser encontradas condições para mitigar esta realidade.

Recordo que a título de exemplo, e olhando para outro setor como a saúde, apenas ¼ das pessoas com demência no concelho de Cascais estão ativamente identificadas. Estes “números escondidos” são uma medida elementar e que cabe, por definição, aos governantes locais apoiarem através de medidas concretas, seja no aumento de atividades de lazer e tempos livres, seja na criação de atividades de tutoria sénior e júnior (em ambos os sentidos jovens e menos jovens podem apoiar-se), seja no desenvolvimento de projetos tecnológicos que reforcem a instrução e permitam também, minimizar problemas como a solidão, a demência, que são, como se sabe, um problema para muitas famílias.

Podemos e devemos ser solidários com as gerações que nos criaram, e deixar um legado importante para que nas próximas gerações, este não seja um problema por identificar. Os poderes locais podem e devem ser porta estandartes destas ações concretas, e por definição, devem agir sobre as suas populações neste sentido.

Não basta falar sobre os problemas, reunir pessoas, organizar conferências, trazer especialistas… a comunicação entre profissionais escolares podem ser bem feita, mas a verdadeira reflexão dá-se no terreno, e nesse campo, meus amigos, estamos ainda muito distantes em Cascais daquilo que deveríamos ter.

Rui Mendes